domingo, 3 de julho de 2011

EXCELENTE ENTREVISTA COM ROBERTO SHINYASHIKI

 

A revista ISTO É publicou esta entrevista de Camilo Vannuchi. Em 'Heróis de Verdade', o escritor combate a supervalorização das aparências e diz que falta ao Brasil competência. O entrevistado é Roberto Shinyashiki, médico psiquiatra, com Pós-Graduação em administração de empresas pela USP, consultor organizacional e conferencista de renome nacional e internacional.
 
 
ISTO É - Quem são os heróis de verdade?
 
Roberto Shinyashiki - Nossa sociedade ensina que, para ser uma pessoa de sucesso, você precisa ser diretor de uma multinacional, ter  carro importado, viajar de primeira classe. O mundo define que poucas pessoas deram certo. Isso é uma loucura. Para cada diretor de empresa, há milhares de funcionários que não chegaram a ser gerentes.  E essas pessoas são tratadas como uma multidão de fracassados. Quando olha para a própria vida, a maioria se convence de que não valeu à pena, porque não conseguiu ter o carro, nem a casa maravilhosa. Para mim, é importante que o filho da moça que trabalha na minha casa, possa se orgulhar da mãe. O mundo precisa de pessoas mais simples e transparentes. Heróis de verdade são aqueles que trabalham para realizar seus projetos de vida, e não para impressionar os outros. São pessoas que sabem pedir desculpas e admitiram que erraram.
 
ISTO É - O Sr. citaria exemplos?

Shinyashiki -  Quando eu nasci, minha mãe era empregada doméstica e meu pai, órfão aos sete anos, empregado em uma farmácia.Morávamos em um bairro miserável em São Vicente (SP) chamado Vila Margarida. Eles são meus heróis. Conseguiram criar seus quatro filhos, que hoje estão bem. É pena  que a maior parte das pessoas esconda suas raízes. O resultado é um mundo vítima da depressão, doença que acomete hoje 10% da população americana. Em países como o Japão, a Suécia e a Noruega, há mais suicídio do que homicídio. Por que tanta gente se mata? Parte da culpa está na depressão das aparências, que acomete a mulher, que embora não ame mais o marido, mantém o casamento, ou o homem que passa  décadas em um emprego, que não o faz se sentir realizado, mas o faz se sentir seguro.  

ISTO É - Qual o resultado disso?  
  
Shinyashiki - Paranóia e depressão cada vez mais precoce. O pai quer preparar o filho para o futuro e mete o menino em aulas de inglês, informática e mandarim. Aos nove ou dez anos a depressão  aparece. A única coisa que prepara uma criança para o futuro, é ela poder ser criança. Com a desculpa de prepará-los para o futuro, os malucos dos pais estão roubando a  infância dos filhos. Essas crianças  serão adultos inseguros e terão discursos hipócritas. Aliás, a hipocrisia já predomina no mundo corporativo..    

ISTO É -  Por quê? 

Shinyashiki - O mundo corporativo  virou um mundo de faz-de-conta, a começar pelo processo de recrutamento. É contratado o sujeito com mais marketing pessoal. As corporações valorizam mais a auto-estima do que a competência.  Sou  presidente da Editora Gente e entrevistei uma moça que respondia todas as minhas  perguntas com uma ou duas  palavras. Disse que ela não parecia  demonstrar interesse.  Ela me respondeu estar muito interessada, mas como falava pouco, pediu que eu pesasse o desempenho dela, e não a conversa. Até porque ela era candidata a um  emprego na contabilidade, e não de relações públicas.  Contratei-a na hora. Num processo clássico de seleção, ela não passaria da primeira etapa.    

ISTO É - Há um script estabelecido?
 
Shinyashiki -  Sim. Quer ver uma pergunta estúpida feita por um presidente de multinacional no programa 'O Aprendiz'? Qual é seu defeito? Todos respondem que o defeito é não pensar na vida  pessoal:  Eu mergulho de cabeça na empresa. Preciso aprender a relaxar.  É exatamente o que o Chefe quer escutar. Por que  você acha que nunca alguém respondeu ser desorganizado ou esquecido?  É contratado quem é bom em conversar, em fingir. Da mesma forma, na maioria  das vezes, são promovidos aqueles que fazem o jogo do poder. O  vice-presidente de uma as maiores empresas do planeta me disse: Sabe,  Roberto, ninguém chega à vice-presidência sem mentir'.  Isso significa que  quem fala a verdade não chega a diretor! 
   
ISTO É - Temos um modelo de gestão que premia pessoas mal preparadas?    

Shinyashiki - Ele cria pessoas arrogantes, que não têm a humildade  de se preparar, que não têm capacidade de ler um livro até o fim   não se preocupam com o conhecimento.Muitas equipes precisam de motivação, mas o maior problema no Brasil é competência. Cuidado com os burros motivados. Há muita gente motivada fazendo besteira. Não adianta você assumir uma função, para a qual não está preparado. Fui cirurgião e me orgulho de nunca um paciente ter morrido na minha mão. Mas tenho a humildade de Reconhecer que isso nunca aconteceu graças a meus chefes, que foram sábios em não me dar um caso, estava preparado. Hoje, o garoto sai da faculdade achando que sabe fazer uma neurocirurgia. O Brasil se tornou incompetente e não acordou para isso.

ISTO É - Está sobrando auto-estima?   

Shinyashiki - Falta às pessoas a verdadeira auto-estima. Se eu preciso que os outros digam que sou o melhor, minha auto-estima está baixa. Antes, o ter conseguia substituir o ser.  O cara mal-educado dava
uma gorjeta alta para conquistar o respeito do garçom. Hoje, como as pessoas não conseguem nem ser, nem ter, o objetivo de vida se tornou  parecer. As pessoas parecem que sabem, parece que fazem, parece que acreditam.  E poucos são  humildes para confessar que não sabem. Há muitas mulheres solitárias no Brasil, que preferem dizer que é  melhor assim.  Embora a auto-estima esteja baixa, fazem pose de que está tudo  bem.  

ISTO É - Por que nos deixamos levar por essa necessidade de sermos perfeitos em tudo e  de valorizar a aparência? 

Shinyashiki - Isso vem do vazio que sentimos.  A gente continua  valorizando os heróis.  Quem vai salvar o Brasil? O Lula.  Quem vai  salvar o time? O técnico. Quem vai salvar meu casamento? O terapeuta. O problema é que eles não vão salvar nada! Tive um professor de filosofia que dizia: 'Quando você quiser entender a essência do ser humano, imagine a rainha Elizabeth com uma crise de diarréia durante um jantar no Palácio de  Buckingham'. Pode parecer incrível, mas a  rainha Elizabeth também tem diarréia. Ela certamente já teve dor de dente, já chorou de tristeza, já fez coisas que não deram certo. A gente tem de parar de procurar super-heróis, porque se o super-herói não segura a onda, todo mundo o considera um fracassado.   
ISTO É - O conceito muda quando a expectativa não se comprova?
 
Shinyashiki - Exatamente.. A gente não é super-herói nem  superfracassado. A gente acerta, erra, tem dias de alegria e dias de tristeza. Não há nada de errado nisso.  A crise será positiva se elas entenderem que a responsabilidade pela própria vida é delas. 
  
ISTO É - Muitas pessoas acham que é fácil para o Roberto Shinyashiki dizer essas coisas, já que ele é bem-sucedido. O senhor tem defeitos?

Shinyashiki - Tenho minhas angústias e inseguranças. Mas aceitá-las faz minha vida fluir facilmente. Há várias coisas que eu queria e não consegui. Jogar na Seleção Brasileira, tocar nos Beatles (risos). Meu filho mais velho nasceu com uma doença cerebral e hoje tem 25 anos.  Com uma criança especial, eu aprendi que,  ou eu a amo do jeito que ela é, ou vou  massacrá-la o resto da vida para ser o filho que eu gostaria que  fosse.  Quando olho para trás, vejo que 60% das coisas que fiz deram certo. O resto  foram apostas e erros. Dia desses apostei na edição de um livro, que não deu certo. Um amigão me perguntou: 'Quem decidiu publicar esse  livro?'  Eu respondi que tinha sido eu. O erro foi meu. Não preciso mentir.
 
ISTO É -  Como as pessoas podem se livrar dessa tirania da aparência?
 
Shinyashiki - O primeiro passo é pensar nas coisas que fazem as  pessoas cederem a essa tirania e tentar
> evitá-las.  São três fraquezas:  A primeira é precisar de aplauso, a segunda é precisar se sentir amada e a terceira é buscar segurança. Os Beatles foram  recusados por gravadoras e nem por isso desistiram.  O que as escolas deveriam fazer é ajudar o aluno a desenvolver suas próprias potencialidades. 

ISTO É -  Muitas pessoas têm buscado sonhos que não são seus?

Shinyashiki - A sociedade quer  definir o que é certo. São quatro  loucuras da sociedade. A primeira é instituir que todos têm de ter sucesso, como se eles não tivessem significados individuais. A segunda loucura é: Você tem de estar feliz todos os dias. A terceira é: Você tem que comprar tudo o que puder. O resultado é esse consumismo absurdo.  Por fim, a quarta loucura:  Você tem de fazer as coisas do jeito certo. Jeito certo não  existe. Não há um caminho único para se fazer as coisas.As metas são interessantes para o sucesso, mas não para a felicidade. Felicidade  não é uma meta, mas um estado de espírito. Tem gente que diz que não será feliz, enquanto não casar, enquanto outros se dizem, infelizes justamente por causa do casamento. Você pode ser feliz tomando sorvete, ficando em casa com a família ou com amigos verdadeiros, levando os filhos para brincar ou  indo à praia ou ao cinema. Quando era recém-formado em São Paulo , trabalhei em um hospital de pacientes terminais.  Todos os dias morriam nove ou dez pacientes. Eu sempre procurei conversar com eles na hora da morte. A maior parte pega o médico pela camisa e diz: 'Doutor, não me deixe morrer. Eu me sacrifiquei à vida inteira, agora  eu quero aproveitá-la e ser feliz'. Eu sentia uma dor enorme por não poder fazer nada. Ali eu aprendi que a felicidade é feita de coisas pequenas. Ninguém na hora da morte diz se arrepender por não ter aplicado o dinheiro em imóveis ou ações, mas sim de ter esperado  muito tempo ou perdido várias oportunidades para aproveitar a vida.
 
Quando leio matérias do tipo, vejo que realmente sou feliz, pois nunca acreditei que dinheiroé tudo, em status, fama, o bom mesmo é fazer as coisas que gostamos, estar do lado das pessoas que amamos e trabalhar com prazer.

Nenhum comentário: